Os Estados Unidos da América são um manancial de surpresas, umas vezes pelos melhores motivos, outras vezes pelos piores. Desta vez aquilo que me chamou a atenção vindo da terra do Tio Sam foi uma decisão de um tribunal sobre um caso de possível negligência médica. Até aqui, apesar do triste que é qualquer negligência, nada que chame muito a atenção... Sucede que a alegada negligência médica foi cometida num hospital católico romano. Bom, erros todos cometem. É verdade. Mas o interessante da questão, no meu ponto de vista, não é o erro médico. É a defesa jurídica que o hospital montou para contrapor ao processo de indemnização.
Para contextualizar: O Hospital St Thomas More no Colorado, gerido pela Catholic Health Initiatives, foi acusado de negligência após a realização de uma cesariana da qual resultou a morte de dois fetos (gémeos) e de, por consequência, ter morto duas pessoas numa gestação de 38 semanas. O hospital, através dos seus advogados, invocou a Lei do Estado do Colorado e defendeu que não havia morte de pessoas porque a mesma Lei apenas confere personalidade jurídica após o nascimento. A decisão do tribunal acabou por ser favorável ao hospital.
Não pretendo analisar a justeza da Lei americana (da qual discordo). O que me parece censurável e completamente ao arrepio daquilo que tem sido a posição da Igreja de Roma é o argumento usado pelo hospital católico de que não estariamos perante a morte de pessoas...
Relembro aquilo que diz o Catecismo da Igreja Católica (Romana):
"A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto, a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, devem ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo o ser inocente à vida." (nmr 2270)
"Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o embrião terá de ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano." (nmr 2274)
Esta decisão jurídica vem manchar a coerência da defesa intransigente de Roma em relação à vida humana e vem reavivar o debate entre os partidários pró-vida e pró-escolha, poucas horas depois da realização da Marcha Pró-Vida em Washington que reuniu cerca de 600000 pessoas de diversos quadrantes religiosos. É um tiro no pé nos Estados Unidos que se repercute em Roma.
Em conclusão, a doutrina proclama a defesa do embrião como pessoa que é mas, quando chega a altura de assumir responsabilidades morais e financeiras, a doutrina é convenientemente esquecida e invoca-se uma lei civil que é contrária à doutrina e à lei da Igreja. Estranho, não?
Os hospitais católicos americanos são infelizmente conhecidos por estarem muitas vezes nas mãos de pessoas que discordam publicamente da fé, e agem contrariamente a ela, e os esforços de muitos bispos por garantir que os hospitais católicos o são de facto só lentamente têm produzido resultados (quando têm). Tenho lido bastantes artigos sobre essa lamentável situação, que aliás também tem parelelo em muitas universidades católicas dos EUA.
ResponderEliminar