terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O Pit Bull e a Criança


Pit Bull ataca bebé em Beja
Uma das vítimas da polémica em torno do abate do cão arraçado de pit bull que vitimou mortalmente há poucos dias uma criança, é o respeitadíssimo actor Ruy de Carvalho que, por ter partilhado a opinião de que o referido cão não deveria ser abatido, perdeu a consideração de alguns dos seus "seguidores".

Ruy de Carvalho é um ícone da excelência; é, a par da sua colega Eunice Muñoz, o expoente máximo vivo da arte de bem representar. E, portanto, não vejo porque uma opinião mais ou menos emocionada sobre o destino a dar a um cão possa manchar ou denegrir a sua pessoa.

Mas a questão que me leva a escrever é mais opinar sobre se o cão deve ser abatido ou não e se é correcto fazê-lo. Estaremos todos de acordo que abater um animal sem mais é algo reprovável e que contradiz a dignidade e compaixão que devem presidir ao comportamento do ser-humano. Outra coisa é saber se este animal em particular representa ou não um perigo. Sendo o caso, não podendo o cão ser confinado a um espaço apropriado até ao fim natural da sua vida (pelos custos que isso implica), então, mediante prévia avaliação feita por técnicos competentes, deve ser posto termo à sua vida.

A reprovação de muita gente em relação ao abate do animal não deixa de parecer estranha e desproporcionada face ao que sucedeu: a morte de uma criança, a morte de uma pessoa. Será que essa reprovação também é feita sobre situações em que a dignidade do ser-humano é posta em causa, será que essa indignação também é sentida perante os milhares de vidas humanas que são ceifados todos os dias em conflitos políticos, religiosos e económicos absurdos? Chora-se um cão e não se chora aquelas pessoas que expiram em campos de refugiados porque a ajuda da comunidade internacional é insuficiente? Lamenta-se a sorte do animal mas desvia-se o olhar daquele que, tornado cão, vasculha nos nossos dejectos e busca um pouco de comida ou algo que possa aproveitar para se poder manter vivo mais um dia.

O clamor pelo cão não deixa de ser também uma manifestação de sentimentalismo inconsequente e impensado de quem defende os direitos dos animais e se esquece dos direitos das pessoas. Há que dizer que, à luz da Lei portuguesa, por maior carinho que possamos ter por um animal e por mais inteligente que o mesmo possa ser, ele não é uma pessoa; é uma coisa. E as coisas não são titulares de direitos; estão é apenas envolvidas nas relações jurídicas que se estabelecem entre as pessoas. Portanto, um cão não é titular de direitos mas o Direito incide sobre ele sempre em função de uma pessoa e no sentido de promover o bem-estar e a harmonia sociais entre pessoas.

E isto leva a discutir o seguinte: o relativismo vigente tende a equiparar animal e pessoa. Ou seja, segundo esta visão, seres-humanos e animais teriam em si a mesma dignidade e ambos teriam direito à vida. Isto é lavrar num erro crasso. Parece-me que mais do que estar a elevar o animal à condição de pessoa, se está a pôr em causa a dignidade da pessoa e se está a rebaixá-la, colocando-a ao nível do animal. Lembremos que as pessoas não foram criadas em função dos animais mas estes foram criados em função das pessoas. Começando a sociedade a considerar a pessoa humana menos do que aquilo que ela é, corremos o risco de pôr em causa a própria vida humana. Se a pessoa humana não é tão importante e tão digna como pensamos, então abrem-se as portas a que a sociedade se vá livrando daqueles que considera incómodos, inconvenientes ou dispensáveis. Nenhum ser-humano é dispensável. Infelizmente vão nesse sentido práticas como o aborto, a eutanásia e a manipulação genética. Relembrando um princípio bíblico fundamental, a Humanidade foi colocada por Deus na terra como culminar da Criação e para exercer o seu domínio (com responsabilidade e bom-senso obviamente) sobre a Criação e não o contrário. O Homem não é um mero acidente biológico e não é apenas mais um animal entre outros. É um ser com uma dignidade própria decorrente de albergar em si um sopro divino, um espírito, que o distingue de todos os outros seres.

Estarei eu a dizer que sendo o Homem o pináculo da Criação, que este pode fazer aquilo que muito bem entende da Criação? O domínio (ou seja, o senhorio) do Homem deve e tem que ser exercido com responsabilidade e com respeito para com as outras criaturas porque estas de alguma forma também reflectem o dedo criador de Deus. Quanto mais compaixão e respeito o Homem demonstrar pelos animais sem os subjugar mas aproveitando-se deles para seu benefício e sem pôr em causa o equilíbrio do ecossistema em que se insere, mais o Homem demonstra a sua condição de ser superior, mais o Homem demonstra a sua condição de pessoa.

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