segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A Barca de Pedro a Meter Água


Como cidadão do mundo e como pessoa interessada no fenómeno religioso em geral acompanho com curiosidade o desenrolar dos acontecimentos na Igreja Romana. Não é desde agora que o faço. Desde que descobri em mim, enquanto criança, a fé que Deus colocou no meu coração que sigo com atenção o que se vai passando para os lados do Vaticano, por muitos anos lá "dentro" e desde há muitos também do lado de "fora" por decisão consciente, amadurecida e dolorosa. Portanto, não é de agora que lanço o meu olhar crítico sobre aquela que se reclama ser a Igreja assente no trono de São Pedro. Aprendi a apreciar as suas virtudes e a censurar (do meu ponto de vista) as suas falhas. Dois livros, para além da própria Bíblia, contribuíram para deitar abaixo o ídolo com pés de barro que albergava na minha mente: Papas Perversos, de E. R. Chamberlin e Em Nome de Deus, de David Yallop. O primeiro trata obviamente de deprimentes, imorais e até mórbidos detalhes históricos que marcaram o Papado ao longo dos séculos. O segundo analisa com detalhe e com dados históricos recentes, que envergonhariam qualquer um, as circunstâncias e os motivos que estiveram por trás da morte de um Papa verdadeiramente revolucionário e decidido a reformar a Igreja: Albino Luciano ou João Paulo I. Nestes livros podem encontrar-se todos os ingredientes indispensáveis para um bom thriller: luta pelo poder, dinheiro, corrupção, máfia, maçonaria, sexo e assassinatos encomendados. Perante este quadro, desiludido com a gritante discrepância entre a mensagem do Cristo e a prática da Igreja, por me sentir impotente para mudar o sistema, por querer continuar a ser o melhor católico possível, por não querer continuar a pecar por associação com a treva romana, decidi abandonar aquela que se assume como a barca de Pedro mas que navega longe dos princípios enunciados pelo pescador de homens.


Os recentes ecos de Roma, apesar de preocupantes e chocantes, infelizmente não são inéditos e surgem na sequência de práticas e comportamentos que desde há várias décadas têm marcado a Igreja Católica Romana. Pedofilia, homossexualidade, extorsão, lobbies e outros fenómenos que tais estão agora “na moda” mas sempre permearam uma das mais velhas organizações do mundo. Ainda assim, o cristão e o cidadão consciente não podem deixar de lamentar tudo o que ultimamente tem vertido da Cidade que de celestial já só tem o nome: a incapacidade do Papa de erradicar os males que minam a Igreja e que o levam a renunciar, o chamamento à Cúria do mais provável sucessor do Patriarca de Lisboa após denúncias feitas por um colega, os casos mal escondidos de homossexualidade e de abuso de poder do clero de Lisboa, a renúncia do Primaz e Cardeal católico da Escócia por ter sido acusado de comportamento sexual indigno, o lobby gay, etc. Por tudo isto se vê que a barca de São Pedro está a meter água e que a sua capacidade de chegar a bom porto está comprometida.


Na Igreja Romana, à semelhança de qualquer outra organização onde domine o ego humano, conheci o que há de mais repulsivo e o que há de mais nobre nas criaturas de Deus. Nela ouvi falar pela primeira vez do Evangelho de Cristo e fui iniciado na Fé e enxertado na família dos Filhos de Deus. Nela também conheci lobos que se disfarçavam de ovelhas e ovelhas a converterem-se em lobos, corrompidas por um sistema que, em vez de libertar, agrilhoa. Nela conheci exemplos vivos de santidade e de entrega a Deus e nela enfrentei pessoas que, sem qualquer dúvida, foram instrumentos do Maligno. Nela encontrei muitos fariseus e alguns bons samaritanos. Nela encontro ainda amigos e crentes genuinamente empenhados em viver a sua fé em Cristo e não numa instituição. Perante tudo o que já mencionei pergunto-me como poderá ainda haver pessoas inteligentes e íntegras que queiram permanecer ligadas a um organismo parasitado irremediavelmente pelo Inimigo? Como poderá haver alguém que queira compactuar com algo moribundo, passadista e que se nutre da boa-vontade dos crentes como um cancro se alimenta de um corpo vivo? Não deixam de ressoar com muita força as palavras duríssimas de Cristo em relação aos falsos religiosos:

Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo. Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, dizendo: ‘Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!’ Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais! Serpentes! Raça de víboras! Como podereis fugir à condenação da Geena?Mateus 23,25-33








quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A Sociedade Aguenta?

Sua Eminência Reverendíssima, o Senhor Cardeal-patriarca Dom José Policarpo, figura mais conhecida da Igreja romana em Portugal, concedeu uma entrevista à RTP na qual disse, citando o DN, que "A sociedade aguenta tudo. Esperamos que as linhas de conduta sejam realistas, mas prudentes. Não se deve usar o poder para fazer aquilo que não é preciso ser feito". Mais à frente disse também que seria necessária uma "revolução cultural" para melhorar a sociedade.

Para aqueles que possam estar mais desatentos, o que este Eminente homem disse, não por palavras mas no seu inconsciente, é que ele espera que os portugueses e os restantes povos sujeitos à ditadura da austeridade e ao império da alta finança e dos interesses económicos continuem a aguentar para que o statu quo se mantenha. Para quê? Para que os diversos e obscuros interesses da Igreja não sejam postos em causa e tudo continue exactamente como até agora, num passivismo cinzento e num carneirismo apático que não questiona, não reivindica nem se insurge com toda a força contra a opressão. A Igreja de Roma, seja em Portugal, seja no Vaticano, é aliada dessa mesma opressão e fará tudo o que estiver ao seu alcance para que o seu lugar à mesa dos poderosos não seja questionado.

Mais adiante na entrevista diz que a Igreja "tem de estar presente, atenta a quem sofre", oferecendo "amor, verdade e fé." São belas palavras, capazes de albergar em si todo o Universo, mas que na prática não se consubstanciam nem trazem nada de concreto a aqueles que sofrem. Palavras tão belas quanto vazias de sentido, palavras tão belas quanto desprovidas de acção libertadora. É certo que a Igreja de Roma em Portugal, através das diversas instituições que patrocina e inspira, é o maior prestador de cuidados sociais à população e que, por ela, muita fome e miséria é mitigada. Mas até que ponto está a Igreja interessada em adoptar uma atitude de ruptura, de denúncia e de confronto com os poderes instituídos? Não está de modo nenhum. Até que ponto é conveniente que a Igreja eduque e forme crentes conscientes de todo o seu potencial libertário, crentes que encarnam a frase do Verbo feito homem: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará"? A prática assistencialista da Igreja minora o sofrimento mas não contribui para a sua erradicação. O discurso de que "a sociedade aguenta tudo" vem na mesma linha da expressão infeliz do Senhor Ulrich do "aguenta, ai aguenta". Parece que o Senhor Patriarca e o Sumo Pontífice da Igreja de Mamon do BPI frequentaram a mesma escola e que, portanto adoram, prestam culto e vassalagem ao mesmo deus (mesmo que digam que este tem nomes diferentes). 

 Portanto, aquilo que a Igreja Romana faz é colocar-se ao lado dos lobos em vez de se colocar ao lado das ovelhas que, uma a uma, vão sendo levadas ao matadouro. A Igreja anestesia os seus fieis com o ópio da esperança para que estes não se insurjam de forma incontrolável contra este sistema satânico e alienante que pretende transformar cada filho e filha de Deus num pião e num objecto.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Resignação de Bento XVI


Estamos a viver um momento histórico e quase inédito com o anúncio da resignação do Papa Bento XVI. Desde os tempos do escândalo de Avignon no princípio do século XV, em que o mundo assistiu incrédulo à luta de três Papas pelo trono de São Pedro, que não se ouvia falar da renúncia do Bispo de Roma.


Fiquei surpreendido com esta notícia, tal como o resto do mundo. Mas, após digerir a novidade, vejo que o actual Papa se limitou a exercer uma das prerrogativas prevista no Código de Direito Canónico romano. A sua atitude parece-me merecedora de todo o respeito e demonstra dignidade e humildade ao reconhecer que já não se sente plenamente capaz de exercer as funções para as quais foi eleito. Muitos outros no seu lugar ou em lugares equivalentes dentro ou fora da Igreja, mesmo demonstrando menores capacidades físicas e intelectuais, quiseram perpetuar-se no cargo até que a Sinistra Senhora os chamasse como faz com qualquer outro mortal.

Não deixam de ser curiosos alguns comentários que se seguiram à sua renúncia, entre eles de um dos “nossos” cardeais que elogiou o Papa “pela sua dignidade e pelo espírito de serviço à Igreja.” Subscrevo as suas palavras. Mas as mesmas palavras foram proferidas por muitos outros aquando do fenecer do anterior pontífice João Paulo II que, como é sabido, deixou de ser Papa quando sucumbiu a doença prolongada.
Bento XVI foi um dos Papas mais criticados na história recente da Igreja de Roma, tendo sido catalogado de conservador e de ter “varrido para debaixo do tapete” escândalos como os da pedofilia. Isto por oposição mais uma vez a João Paulo II que terá encarnado aquilo que de melhor poderá haver num líder espiritual de uma instituição tão magnificente como a Igreja de Roma.

Mas a meu ver, Bento XVI não foi tão mau como o vulgo poderá pensar nem João Paulo II tão bom como se quer fazer crer. João Paulo II demonstrou em questões de moral, nomeadamente no que respeita ao uso do preservativo, uma inflexibilidade que Bento XVI moderou. João Paulo II, apesar de ter promovido o diálogo entre os cristãos e entre outras religiões, não estreitou laços que promovessem uma reconciliação entre as diferentes facções cristãs e refugiou-se numa espiritualidade mariana que foi mais obstáculo do que ponte. Já Bento XVI, um grande teólogo, um pensador sistemático e racional, recentrou a teologia romana na Pessoa que verdadeiramente interessa a todos e que a todos salva: Cristo Jesus. João Paulo II, por detrás da sua simpatia e afabilidade, mandou calar vários teólogos e vozes dissidentes da Igreja e não hesitou em excomungar os mais ousados. Já Bento XVI quase conseguiu terminar com o Cisma integrista surgido após o Vaticano II promovido por Monsenhor Marcel Lefébvre. Apesar de sujeito a críticas, foi ainda Bento XVI que escancarou as portas de Roma aos anglicanos descontentes. Mesmo na questão da pedofilia, ao ser acusado de encobrir um dos episódios mais tristes e deprimentes do Cristianismo, assumiu os pecados da Igreja e tentou criar (sem grande sucesso) mecanismos que prevenissem situações semelhantes . Aliás a política do silêncio relativamente à pedofilia teve o seu expoente máximo com outro Papa bonacheirão e muito querido pelo povo: João XXIII. Este teve tanto de simpático como de conivente com o sofrimento causado pelos seus sacerdotes.

Esta decisão de Bento XVI vem reacender velhos debates no interior da Igreja vaticana e vem fomentar a especulação sobre o perfil do seu sucessor e sobre que rumo irá este imprimir à barca de Pedro. Mas vem também provar que o tabu da resignação afinal pode ser tocado e que apesar de toda a o halo deificante que poderá rodear o Papa enquanto Chefe da Igreja Roma, ele não deixa de ser um homem como todos nós, sujeito às contigências do tempo e propenso a falhar. E isto pode também, a muito longo prazo, levar à conclusão positiva que o poder das chaves legado por Cristo não está tanto nas mãos de um único homem mas mais na Igreja no seu todo e na Verdade de Cristo que ela tem que anunciar e viver. O Conciliarismo poderá estar à espreita… O senhor que se segue trará mais do mesmo, continuando a gerir uma Igreja em declínio, ou terá a coragem de promover uma revolução espiritual que transfigure a face da terra? Que o Espírito Santo sopre sobre o Vaticano.