Como cidadão do mundo e como pessoa interessada
no fenómeno religioso em geral acompanho com curiosidade o desenrolar dos
acontecimentos na Igreja Romana. Não é desde agora que o faço. Desde que
descobri em mim, enquanto criança, a fé que Deus colocou no meu coração que
sigo com atenção o que se vai passando para os lados do Vaticano, por muitos
anos lá "dentro" e desde há muitos também do lado de "fora"
por decisão consciente, amadurecida e dolorosa. Portanto, não é de agora que
lanço o meu olhar crítico sobre aquela que se reclama ser a Igreja assente no
trono de São Pedro. Aprendi a apreciar as suas virtudes e a censurar (do meu
ponto de vista) as suas falhas. Dois livros, para além da própria Bíblia, contribuíram
para deitar abaixo o ídolo com pés de barro que albergava na minha mente: Papas
Perversos, de E. R. Chamberlin e Em Nome de Deus, de David Yallop. O
primeiro trata obviamente de deprimentes, imorais e até mórbidos detalhes
históricos que marcaram o Papado ao longo dos séculos. O segundo analisa com detalhe e com dados
históricos recentes, que envergonhariam qualquer um, as circunstâncias e os
motivos que estiveram por trás da morte de um Papa verdadeiramente
revolucionário e decidido a reformar a Igreja: Albino Luciano ou João Paulo I. Nestes
livros podem encontrar-se todos os ingredientes indispensáveis para um bom
thriller: luta pelo poder, dinheiro, corrupção, máfia, maçonaria, sexo e assassinatos
encomendados. Perante este quadro, desiludido com a gritante discrepância entre
a mensagem do Cristo e a prática da Igreja, por me sentir impotente para mudar
o sistema, por querer continuar a ser o melhor católico possível, por não
querer continuar a pecar por associação com a treva romana, decidi abandonar
aquela que se assume como a barca de Pedro mas que navega longe dos princípios
enunciados pelo pescador de homens.
Os recentes ecos de Roma, apesar de preocupantes
e chocantes, infelizmente não são inéditos e surgem na sequência de práticas e
comportamentos que desde há várias décadas têm marcado a Igreja Católica
Romana. Pedofilia, homossexualidade, extorsão, lobbies e outros fenómenos que
tais estão agora “na moda” mas sempre permearam uma das mais velhas
organizações do mundo. Ainda assim, o cristão e o cidadão consciente não podem
deixar de lamentar tudo o que ultimamente tem vertido da Cidade que de
celestial já só tem o nome: a incapacidade do Papa de erradicar os males que
minam a Igreja e que o levam a renunciar, o chamamento à Cúria do mais provável
sucessor do Patriarca de Lisboa após denúncias feitas por um colega, os casos mal
escondidos de homossexualidade e de abuso de poder do clero de Lisboa, a
renúncia do Primaz e Cardeal católico da Escócia por ter sido acusado de
comportamento sexual indigno, o lobby gay, etc. Por tudo isto se vê que a barca
de São Pedro está a meter água e que a sua capacidade de chegar a bom porto
está comprometida.
Na Igreja Romana, à semelhança de qualquer outra
organização onde domine o ego humano, conheci o que há de mais repulsivo e o que
há de mais nobre nas criaturas de Deus. Nela ouvi falar pela primeira vez do
Evangelho de Cristo e fui iniciado na Fé e enxertado na família dos Filhos de
Deus. Nela também conheci lobos que se disfarçavam de ovelhas e ovelhas a
converterem-se em lobos, corrompidas por um sistema que, em vez de libertar,
agrilhoa. Nela conheci exemplos vivos de santidade e de entrega a Deus e nela
enfrentei pessoas que, sem qualquer dúvida, foram instrumentos do Maligno. Nela
encontrei muitos fariseus e alguns bons samaritanos. Nela encontro ainda amigos
e crentes genuinamente empenhados em viver a sua fé em Cristo e não numa
instituição. Perante tudo o que já mencionei pergunto-me como poderá ainda
haver pessoas inteligentes e íntegras que queiram permanecer ligadas a um
organismo parasitado irremediavelmente pelo Inimigo? Como poderá haver alguém
que queira compactuar com algo moribundo, passadista e que se nutre da
boa-vontade dos crentes como um cancro se alimenta de um corpo vivo? Não deixam
de ressoar com muita força as palavras duríssimas de Cristo em relação aos falsos
religiosos:
“Ai de vós, doutores da Lei e fariseus
hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro
estão cheios de rapina e de iniquidade! Fariseu cego! Limpa antes o interior do
copo, para que o exterior também fique limpo. Ai de vós, doutores da Lei e
fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por
fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de
imundície! Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos
dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. Ai de
vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos
profetas e adornais os túmulos dos justos, dizendo: ‘Se tivéssemos
vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos
profetas!’ Deste modo, confessais que sois filhos dos que
assassinaram os profetas. Acabai, então, de encher a medida dos
vossos pais! Serpentes! Raça de víboras! Como podereis fugir à condenação da Geena?”
Mateus 23,25-33