segunda-feira, 4 de março de 2013

Sede Vacante


 Sede vacanteé a designação que se dá ao período em que uma Igreja se encontra sem bispo desde a resignação, morte ou outro impedimento do bispo titular até à escolha e condução de um sucessor. Nos dias que correm este termo é naturalmente associado à vacatura actualmente existente na Igreja Romana devido à resignação do seu líder, o Papa Bento XVI. 

Nas últimas vinte décadas, no que respeita a Roma, o período de sede vacante tem durado em média 20 dias. Mas houve já épocas em que o interregno durou mais de seis meses (entre 1799 e 1800) e chegou mesmo a ultrapassar os três anos (desde 20 de Abril de 1314 com a morte de Clemente V até 8 de Setembro de 1316 com a coroação de João XXII) numa época em que o Papado tinha trocado as intrigas e a insegurança de Roma pela pacata cidade de Avignon.

Ninguém obviamente sabe quanto tempo demorará o Colégio de Cardeiais a eleger um novo líder para os cristãos romanos, ainda que muitos desejem que o processo esteja concluído antes da Páscoa para que a Igreja deixe se apresentar ao mundo como orfã e possa celebrar em plena força a ressurreição de Cristo. Mas, e se a sede se mantiver vacante para além daquilo que possa ser desejável (para os católicos romanos) ou recomendável?

Refeitos da surpresa e do choque resultantes do anúncio de Bento XVI, penso que se pode retirar uma conclusão determinante e ainda mais chocante do que a resignção. Pensemos no seguinte: desde que a renúncia se tornou efectiva a Igreja romana continuou a vida normal, os sacerdotes continuaram a celebrar a Eucaristia, os seus ministros continuaram a baptizar crianças, os noivos continuaram a ser casados e os bispos continuaram a presidir ao Crisma e a realizar ordenações de novos ministros para servirem na Igreja. Neste momento os Cadeais dão despecho aos assuntos de gestão corrente da Igreja para que se continue o business as usual. Com isto se conclui que a vida da Igreja não assenta num único homem nem no seu ministério mas na plenitude dos seus membros, sejam eles clérigos ou leigos e que são estes que detêm efectivamente o poder de escolher o seu líder. Para corroborar o meu raciocínio, que diremos então da situação que já se viveu antes e que provavelmente será vivida ainda durante alguns anos (assim Deus o permita) desde a eleição do novo Papa e até à morte de Bento XVI? Se o Papa é o sucessor de Pedro e o vigário de Cristo, na prática teremos dois sucessores de Pedro e dois vigários de Cristo. Haverá uma sobreposição de papeis e de figuras. Ficará a Igreja vaticana a sofrer de bipolaridade? O Espírito Santo que supostamente passou a ungir e a dirigir Bento XVI por ser o porta-voz de Cristo ficará confuso e hesitante entre continuar com o antigo Papa e descer sobre o novo? Claro que Bento XVI irá assumir um papel de extrema discrição e, a querer continuar a exercer a sua influência, fá-lo-á na sombra. Claro que Deus é soberano e será Ele a decidir o que fazer aquando da eleição do novo Papa, se estiver efectivamente interessado neste processo que obedece mais a interesses políticos e económicos do que a interesses estritamente espirituais.

Assim, por muito absurdo que possa parecer esta minha questão retórica, se a Igreja (romana) sobrevive e se mantém por largos períodos sem Papa e da mesma forma se mantém quando existe mais do que um (porque até já existiram três), para que servirá o Papa? É indispensável a sua existência? É fundamental para que, afirmando-se como Igreja de Cristo (ou pelo menos como um dos seus troncos), se mantenha? Necessariamente se conclui que não. O Papa, mais do que o papel de um super-bispo ou de um ser-humano  a roçar (para os mais incautos) o estatuto de semi-deus que de vez em quando passa por ser o pretenso e quase exclusivo difusor da vox Domini, é pouco mais do que o foco de unidade de uma grande comunhão de fieis. O Papa é representante de Cristo, sim, tal como cada bispo, sacerdote, diácono e o crente anónimo são-no também quando se deixam possuir por esta força e esta Pessoa maravilhosa e que transcende tradições, organizações e estatutos religiosos que é o Senhor e Deus Paráclito, o Espírito Santo. Será falta de respeito dizer que a diferença entre um Papa e o mais humilde dos servos de Deus são os paramentos? Será heresia dizer que aquele que se senta na cátedra de Pedro é tão digno de ser venerado e das suas mãos serem beijadas como digno é ser venerado o crente andrajoso que reparte das suas mãos sujas o pouco que tem com aqueles que ainda têm menos? Onde estará aqui o verdadeiro vigário de Cristo?

A Igreja, se quer viver radicalmente o facto de ser o Corpo e a Noiva de Cristo e quiser focar-se apenas num homem, deve colocar os seus olhos no Homem por excelência que é Jesus Cristo. Se a Igreja quer relebrar as suas fundações, deve olhar para o fundamento dos Apóstolos no seu conjunto e não apenas num único Apóstolo como se este pudesse ser o detentor exclusivo da autoridade e da verdade. Terá muito a Igreja a ganhar se cada vez mais reabilitar aquilo que a veio a ser chamado como Conciliarismo em vez de um governo plenipotenciário assente sobre um indivíduo alheio a qualquer escrutínio. Deve a Igreja ser edificada não num mero humano mas na doutrina divina enunciada por Pedro que afirma que Jesus é "o Cristo, o Filho do Deus vivo." Esta é a rocha sobre a qual a Igreja foi edificada. E contra esta doutrina, contra esta rocha "as portas do inferno nada poderão."

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